
Ele dificilmente passaria despercebido pelas ruas de Salvador. A altura, cerca de 1,90 m, e pele clara logo nos remetem a visão de um turista estrangeiro querendo conhecer o Brasil. No entanto, ao trocar alguns minutos de conversa, logo se percebe o que a primeira impressão foi equivocada.
Sean, como se apresenta, é um arquiteto renomado, professor universitário e consultor que, mesmo tendo nascido no Canadá e rodado o mundo com seus trabalhos, elegeu o Brasil, mas especificamente a Bahia, como seu porto seguro. Sua vasta experiência morando em diferentes países e tendo contato com diversas culturas, lhes dá uma visão capaz de fazer uma análise bastante interessante do modo de ser do brasileiro.
Quando perguntado sobre o que falta no Canadá que o faz sempre regressar à Bahia, ele não titubeia e logo responde que faltam os amigos brasileiros. Bom, será com este “canabaiano” que será a entrevista do Inquietude Brasileira.. Vale a pena conferir!!!
Nome e idade; Terra Natal; Casado/ Solteiro? Tem filhos?
Sean Patrick Bradley; Vancouver, Canada; Solteiro; Sem filhos
Você está a quanto tempo em Salvador?
A primeira vez foi em 1993. Nesta temporada faz um ano e 6 meses. No total deve ser uns 13-14 anos que passei em terras Brasileiras.
Já morou em outros lugares antes?
Já morei nas cidades de Vancouver e Montreal (Canadá). Nottingham e Londres (Inglaterra). Tokyo e Osaka (Japão), e mais brevemente em Amsterdam (Holanda) e Rio de Janeiro.
Sua relação com a Bahia já tem bastante tempo, não é isso? Conta um pouco disso pra a gente.
Em 1990, morando em Londres e viajando por toda Europa entrei num bar chamado de Karma no centro de Barcelona. Encontrei e me enturmei com um grupo grande de Brasileiros morando em Barcelona, alguns deles arquitetos. Quando voltei para Canada, fiquei com uma impressão muito positiva do jeito de viver brasileiro. Tive um convite para ir para o Brasil e iniciar um escritório de arquitetura e um interesse romântico. Minha vida mudou de direção no dia que entrei em Karma.
No Brasil, já tive 2 escritórios de arquitetura, já trabalhei para prefeituras de algumas cidades, fui professor universitário e fundador do primeiro curso de pós-graduação de arquitetura sustável no país. Já participei de inúmeros projetos e concursos de arquitetura, urbanismo e planejamento urbano.
Teve dificuldades quanto a visto? Quais?
Os primeiros anos em que morei aqui era um processo complicado conseguir o visto. Pegava um visto e depois uma extensão e finalmente tive que sair do país para reiniciar o processo tudo de novo. Eventualmente, casei com uma brasileira e conseguir um visto permanente.
Quais línguas sabe falar?
Em ordem:
Inglês, Português, Espanhol, Frances, Japonese e Chinês.
Chinês conheço apenas academicamente e nunca tive muito oportunidade de praticar em conversas.
Do que sente mais saudade de sua terra natal?
Sinto falta das quatro estações. Acho interessante o fato que cada estação tem programações sociais e culturais bem diferentes. Outono, tudo mundo reunido em volta de uma fogueira. Esquiar e depois um pub (barzinho fechado) no inverno. Nadando num lago no verão. O pano de fundo, o astral e os eventos mudam radicalmente.
O que acha mais interessante ou curioso do local/ pessoas no Brasil, em especial em Salvador?
Gosto muito do jeito que os Brasileiros se sociabilizam. Fazem um esforço de manter-se sempre em contato com os amigos. Convites para sair e conversar com uma cerveja, aniversários e outros momentos juntos são constantes. Isso é muito bom e é algo que me atrai muito para Salvador. Curiosamente, amizade aqui no Brasil tende a ser focado mais nos momentos bons. Me parece que as pessoas tendem a pedir ajuda da família em situações mais difíceis. Por exemplo, se alguém fosse fazer uma mudança de casa. No Canada, as pessoas chamariam os amigos para ajudar enquanto aqui creio que a tendência é pedir ajuda da família. Claramente, existem diversas exceções a essa observação.
Como foi a adaptação ao país que vive? Tem amigos?
Minha adaptação ao Brasil sempre é apenas parcial. No mesmo tanto que gosto dos Brasileiros, não gosto do baixo nível de qualidade de vida oferecido pela cidade. O principal aspecto negativo é a falta de segurança. Nunca vou me acostumar com a tensão que existe quando anda-se sozinho a noite ou a necessidade de sempre estar olhando em volta para avaliar o nível de ameaça e assim julgando as pessoas (tipicamente erradamente). Diversas outras aspectos com a falta de transportes públicas decentes, lixo nas ruas e o atendimento ruim em muitos serviços públicos (tipo DETRAN). Tudo isso dificulta minha permanência na Bahia.
Como é custo de vida de onde mora?
Acho que o custo de vida aqui não é compatível com que se ganha.
Já precisou de atendimento médico? Como foi?
Sim. Tenho plano privado. Acredito que deve ter apenas um sistema publico que funciona bem. O sistema aqui é ineficiente, especialmente porque não enfatiza prevenção.
Qual o meio de transporte que costuma usar?
Quase sempre uso carro particular ou taxi.
Em algum momento sofreu discriminação por ser estrangeiro (a)?
Discriminação não, mas existem diversas pressuposições sobre estrangeiros que são mais positivas do que negativas. Na verdade, são estereótipos que normalmente não são representativos. Pessoas tendem a acreditar que estrangeiros dos países “desenvolvidos” são educados, ricos, frios, etc. Não acho que estas características representem bem a maioria dos estrangeiros.
O que te inquietava e te fez decidir mudar de país?
Inicialmente, eu fui fortemente movido pela ideia que o mundo é um só. Queria contribuir de alguma forma para o bem das pessoas. Então, sendo um urbanista de profissão, achei melhor ir para lugares onde posso ajudar mais. Eu costumo comparar essa ideia a ir para lugares em desenvolvimento como um médico que procura ir para onde tem mais gente doente. Mas, uma vez viajando descobrir o quanto gosto de viver outras culturas e particularmente me identifiquei com o jeito de ser Brasileiro.
“Em termos de urbanismo, falta o entendimento que espaço urbano é gerido e não simplesmente construído.”
Você já conheceu inúmeros países e trabalhou em sua área, Arquitetura, inclusive em projetos grandes aqui mesmo em Salvador. O que te chama atenção na Arquitetura baiana?
Infelizmente, o que me chama atenção é a falta de uma arquitetura que captura a essência da cultura e/ou a ecologia da Bahia. A arquitetura está em grande parte dominada pela lógica determinada por construtoras e empreendedores que estão essencialmente construindo as mesmas edificações em todas as grandes cidades do país. Assim, temos uma arquitetura dominante pouco expressiva. Em termos de urbanismo, falta o entendimento que espaço urbano é gerido e não simplesmente construído.
E a nível acadêmico, já que também atua como professor universitário, quanto aos novos profissionais do ramo que estão se inserindo no mercado?
O sistema de educação superior é polarizado. As universidades são ou totalmente privada ou totalmente públicas em vez de sistemas híbridos que fornece o contexto que fomenta tanto ensino quanto pesquisa. Como professor neste contexto, me sinto bastante limitado por estes problemas estruturais.
Que tipo de habilidades e conhecimentos acha que seu estilo de vida vem agregando em sua vida? E quanto a sua visão de mundo?
Visitando diversos países e conhecendo diversas culturas, reforcei minha impressão que pessoas são mais semelhantes do que diferentes. Creio que os valores humanistas servem de uma base para a formulação de uma sociedade melhor. Com tempo, tenho adquirido conhecimento técnico de como gerir uma cidade mais sustentável e saudável e considero isso de importância fundamental. Portanto, sou movido fortemente por uma visão de como criar um mundo melhor e tenho conhecimento técnico de como implantar isso.
“E, infelizmente, creio que a total desilusão que Brasileiros tem com seus políticos tem levado a maioria das pessoas a tornaram-se mais apáticas sobre o processo político.”
O que acha que existe em comum e diferente entre o Canadense e o Brasileiro que lhe chama mais atenção?
Reforçando que acredito que as pessoas são essencialmente iguais, culturalmente existem certas diferenças. Realmente, acredito que Brasileiros são frequentemente mais comunicativos e capazes de fazer uma amizade, especialmente no ambiente público. Também, acho interessante como os Brasileiros são muito confortáveis com contato físico e assim são mais rápidos de dar um abraço tocar no ombro enquanto conversa. Outra pequena diferença é que na minha experiência os Canadenses são mais pontuais que Brasileiros, tanto socialmente quanto profissionalmente. E, infelizmente, creio que a total desilusão que Brasileiros tem com seus políticos tem levado a maioria das pessoas a tornaram-se mais apáticas sobre o processo político. No Canada, mais pessoas ainda acreditam que podem alterar a trajetória do estado ou país se envolvendo no processo. Essa apatia junto com a falta do voto distrital me parece fortes barreiras ao progresso do país.
Conhece muita gente do seu país de origem onde mora atualmente?
Durante os anos aqui, tenho encontrado uma ou outra pessoa de origem Canadense mas sempre perdi contato com eles. Neste momento, não tenho nenhum contato ou amizade com outro Canadense aqui.
Tem alguma dica para quem deseja morar no Brasil? Qual?
Qualquer pessoa que vai tentar morar em outro país, não deve julgar se gosta ou não até que passe 1 ou 2 anos. Inicialmente, pode ser muito difícil sem poder falar o idioma local direito, tem poucos amigos, e viver um clima diferente ou então sentir saudade forte da família e outras dificuldades. Para a maioria, não é um processo simples ou rápido. Então, conheço muitas pessoas que depois de 6 meses desistem de viver num pais e assim, provavelmente, não deu uma chance verdadeira ao processo de adaptação e assim podem ter perdido uma grande oportunidade de realmente conhecer a cultura a fundo.
No Brasil as primeiras impressões tendem a ser boas, mas quando a pessoa começa a efetivamente morar aqui, percebe as dificuldades que a cidade oferece. Dificuldades de deslocar-se, de resolver problemas de documentos etc. Portanto, as pessoas de fora devem saber se conseguem lidar com estas dificuldades antes de determinar se o Brasil é para você.
Pensa em morar em outro país diferente? Ou retornar a sua terra natal?
Acho que vai ser difícil meu retorno ao Canada. Cada vez que volto eu sinto falta da vida de rua e a sociabilização mais intensa do Brasil. Mas, se as condições de segurança e falta de gestão efetiva das cidades continua é bem possível que um dia volto a morar num país Europeu onde tem aqueles cafés e vida boa de rua, mas tem qualidade de vida em termos de segurança, transportes etc.
Quais são seus planos para o futuro?
De mais imediato, quero fazer um doutorado e ampliar ainda mais meu conhecimento sobre a gestão de cidades. Tenho dois projetos de livro que espero realizar depois do doutorado. Gostaria de trabalhar numa grande instituição de desenvolvimento internacional. Quero assim, contribuir para a o dialogo sobre a sustentabilidade mundial.

Muito interessante a visão dele sobre o nosso País, faz sentido tudo que ele falou em relação a amizade, política e segurança. Muito observador esse nosso conterrâneo rsrs Mas Canadá é um dos países que ggistarei de conhecer, sair um pouco desse verão, única estação que o Brasil tem, pelo menos aqui no Nordeste.
Parabéns Thai o vlog esra a cada dia mais show , é bom vermos o nosso País com outros olhares.
Obrigada, Naiane!
Esse com certeza é um dos objetivos do blog, ter uma visão do Brasil por outros olhares. Obrigada pela participação.
Acho que nossos problemas políticos, culturais e sociais são tão evidentes. A saúde não fica atrás. Quando visitamos países ditos ” Primeiro Mundo” só da vontade de retornar a bela terra natal pela família ou amigos.
Rita Rocha
Com certeza, Rita. A família e os amigos com certeza são os maiores motivos de que nos leva a voltar para terra natal.
O blog faz com que possamos refletir sobre o que precisamos melhorar em nosso pais. O Canada deve ser fantástico e temos tudo para chegarmos lá, porem precisamos mudar a forma de encarar a politica ( de forma geral) em nossa nação.
Se possível gostaria do contato do entrevistado, pois estou indo para um período de estudo de 2 anos no Canada,.
Sim Eduardo, você entendeu o objetivo com as entrevistas.
Vou informar a Sean seu interesse contactá-lo.
Excelente essa visão principalmente que vem de um profissional que entende sobre a estrutura crescente de uma cidade como Salvador. Belíssima e ao mesmo tempo pouco valorizada pelos moradores que encontram na frase : “a culpa é do governo”, o meio de justificar a falta de cuidado com o patrimônio público.
Mas isso tudo seria diferente se tivéssemos uma educação de qualidade, as pessoas educadas tendem a ouvir mais e agir na mesma proporção.
Parabéns Thaís pela matéria.
Obrigada Naiara pela participação!