Sou portuguesa, professora, de 33 anos e tenho trabalhado em diferentes escolas, pelas várias ilhas do arquipélago dos Açores. Ao longo de 10 anos de experiência passei por diversas mudanças no sistema educativo e tive a oportunidade de conhecer outros modelos de educação. Sempre me senti um pouco desencontrada no que diz respeito aos objectivos previstos neste nosso sistema.
Porém, antes de falar do tema deste texto, quero reflectir sobre uma questão muito importante. Vivemos numa sociedade em que se valoriza as competências, como eficácia de execução ou a rapidez de decisão, a capacidade de liderança, etc. Por outro lado, dá-se muita importância ao que se tem e à aparência de cada um (quero ressalvar que não estou a desvalorizar estes pontos, mas apenas salientar que o peso que têm não é saudável). Os dias passam numa correria para darmos conta de tudo, chegamos ao fim de semana, para quem tem esses dias de descanso, e sentimos que não é suficiente para recuperar energias. No final de mais um ano percebemos a velocidade com que tudo passou e tudo o que deixamos passar… Olhamos para os nossos filhos e sentimos que não lhes demos aquele tempo que seria essencial para estarem connosco.
A realidade das crianças não é muito diferente. Muitas vezes me questiono sobre se será justo introduzir as crianças numa realidade em que vivam o mesmo stress que vive um adulto. Mas então pensemos… a escola faz parte da sociedade, logo ela é pensada em função da sociedade que a organiza.
Neste momento, sinto que ensinar acontece em “modo de injeção”. Digo desta forma, porque dou conta da velocidade com que se introduz novos temas e conteúdos. Eles esforçam-se para aprender e para corresponder ao que lhes é pedido. Mas também se cansam mais. Não me lembro, na minha infância, de me sentir exausta como se sentem os meus alunos, ao fim de poucos meses de aulas.
O currículo escolar, no 1.º ciclo do ensino básico (6 a 9 anos de idade), é composto por diversas áreas: português, matemática, estudo do meio, expressões (plástica, musical e dramática) e expressão e educação físico-motora, cidadania e inglês. Apenas a expressão e educação físico-motora e o inglês são ministrados por outros docentes, sem ser o docente titular da turma. Quando a escola tem recursos disponíveis, os alunos têm também 1 tempo de educação moral e religiosa católica (esta oferta também depende da população que compõe a comunidade escolar). Durante uma semana os alunos terão que trabalhar 8 a 9 tempos (de 45 minutos) de português, 8 a 9 matemática de matemática, 5 tempos de estudo do meio, 3 tempos de expressões (um tempo para cada uma das acima citadas), 3 tempos de expressão e educação físico-motora e 1 tempo para cidadania. Uma semana cheia. Atualmente, o docente titular de turma também ministra um dos tempos de expressão e educação físico-motora.
Mas perguntem a todos os docentes do 1.º ciclo, se conseguem corresponder ao que está previsto. Por mais que pensemos em diferentes estratégias, sentimos sempre que não há tempo suficiente para as realizar de forma mais motivadora.
Os currículos de português e de matemática estão muito densos. Para darmos resposta ao seu cumprimento e assim preparar os alunos para os exames finais (este é, actualmente, o principal objetivo), vemos, na maioria das semanas, as expressões e a cidadania a não terem o seu tempo destinado. Quantas vezes temos os alunos a questionar: “professora, o que é expressão dramática?”; “que disciplina é essa, a cidadania?”. É triste mas é isso que está a acontecer.
O que me preocupa?
As crianças não têm tempo para olhar para elas mesmas, tempo para se descobrir… Tempo para lidarem com os seus sentimentos e emoções. Tempo para “se aprenderem”! Na minha opinião isso não é tarefa que deva acontecer apenas em casa. A escola é um importante instrumento da sociedade para preparar as crianças para o seu futuro. Por isso deve, também ela, preocupar-se com isso.
Quando alguém não tem tempo para si, tempo para olhar ou tempo para respirar, como se sente? A ansiedade faz parte dos nossos dias. Muitos de nós não conseguimos aguentar e acabamos mesmo por sucumbir, em depressão, esgotamento nervoso, doenças diversas causadas por esse desencontro com o que somos.
Se numa fase tão importante como aquela em que estamos a formar a nossa personalidade, aprendemos que o que sentimos é pouco relevante e que o importante é sermos muito bons no que fazemos, como faremos para lidar com as frustrações e desilusões de que a vida é recheada?
Voltemos à escola.
Cada vez sinto mais dificuldade em motivar os meus alunos para aprender. Eles não conseguem manter a sua atenção o tempo suficiente para trabalharem os 90 minutos de aula, nós sentimos que o tempo não chega para fazer tudo, a indisciplina aumenta. Entre eles são mais impacientes e perdem muito cedo a vontade de aprender.
Eu quero desenvolver nos meus alunos a noção de que nem sempre vencemos, por vezes, muitas vezes falhamos, até acertar. Quero que aprendam a respeitar-se a si e aos outros e que descubram o seu potencial. Mas temos que usar a maior parte do tempo com as aprendizagens que são impostas.
Pois, olhando para a escola pública, no geral, pensando na realidade das escolas que se focam na preparação dos alunos para os exames finais, estamos a perder a infância. Cada uma das crianças de hoje está a perder algo de que tem um direito natural, a sua infância.
Para tal parece-me essencial que se introduzam momentos de meditação e relaxamento (que poderão ser pensados de diversas formas, por cada professor), momentos de diálogo (considero-os imprescindíveis para o desenvolvimento, mesmo quando houver alunos que prefiram não participar), que se faça uma filtragem dos conteúdos realmente importantes e que aprendamos, nós docentes, a escutar melhor os nossos alunos. Estas preocupações fazem parte do meu dia-a-dia, mas, para ser sincera, estou eu, também, a descobrir o que é verdadeiramente importante na minha vida, para ir transmitindo aos meus alunos a melhor forma de descobrirem o que os faz serem felizes. Este, que é um caminho de cada um, muitas vezes é vedado.
É urgente repensar e actualizar os objetivos que cabem à escola. Talvez os alunos que recebemos todos os dias, inquietos, os que chamamos hiperativos, sem o serem, estejam eles a dar sinal das mudanças que deverão ocorrer. O planeta terra está a chamar a nossa atenção para a necessidade de transformarmos a nossa forma de vivermos. A escola, pela importância que tem no mundo, não pode querer continuar a formar (formatar) a população, mas sim a abrir portas para que cada um se encontre consigo mesmo e possa colaborar com a sua energia. Abrir espaço para se desenvolverem não apenas cognitiva ou fisicamente, mas também espiritualmente. Afinal de contas, se todos estivermos bem connosco mesmos, saberemos também como viver em paz com o mundo.

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