Bahia, terra linda, com praias belíssimas e um povo sorridente e amistoso. Quem lhe visita não entende como um local cuja maioria da população é negra, que inspira músicas e livros exaltando a beleza negra, pode ter o racismo como uma prática tão comum em seu dia a dia.
Foi lendo o livro de Lázaro Ramos, intitulado Na minha pele, o qual passei debruçada uma semana que refleti mais profundamente sobre esse tema que está sempre perto, mas que às vezes teimamos em tentar ignorá-lo.
Eu sou negra e fui criada no bairro da Liberdade, cuja maioria da população é negra, assim como minha família materna, mas nunca falamos sobre o tema. Ouvia sobre ele apenas nas aulas de história na escola e em filmes e novelas.
Achava estranho a referência de beleza imposta pela mídia televisiva e de capas de revista ser de pessoas brancas, além de que minhas bonecas também eram sempre magérrimas, loiras e de olhos azuis, até Jesus sempre foi retratado com pele e olhos claros. Aqui vale fazer um parêntese que a religião de matriz africana de um modo geral é sempre mostrada de maneira nebulosa e até mesmo demoníaca, mas isso é tema para um outro momento. Bom…as referências ligadas ao povo negro eram e ainda são passadas de maneiras distorcidas e isso é muito evidente.
Como fui uma criança gorda, a cor da minha pela era ofuscada pelo meu tamanho, por isso não pensava muito sobre isso, pelo menos não diretamente. O que me incomodava além do peso eram os cabelos cacheados que não eram aceitos nem na família, onde todas as mulheres alisavam e depois cacheavam com quase extinto bob . Hoje acho que foi até bom, por que foquei em coisas que podia mudar, como emagrecer e alisar os cabelos (que nunca deu muito certo comigo), já que clarear a pele não tinha como.
Comecei a me dar conta da cor da minha pele quando já estava trinta quilos mais magra e ainda assim não era tão popular entre os garotos. Eu não entendia aquilo. Quando ia nas festas sempre ficava de escanteio aguardando as amigas.
Lembro de um carinha me perguntar num tom maldoso: – Fale a verdade, você adora um pagodinho, não é? – Naquele momento me questionei se ele faria a mesma pergunta se eu fosse branca e loira. O tom dele foi diferente ao ponto de me chamar atenção nesse sentido.
Devo salientar que tive uma educação privilegiada. Filha de mãe professora e de funcionário da Petrobrás sempre tive o estudo como prioridade em casa. Estudei em boas e caras escolas particulares que me deram base para entrar na tão sonhada universidade pública (contradições que só quem é brasileiro entende).
Sei que sou minoria num universo de negros sem oportunidades e nem por isso deixo de ouvir e passar por situações onde impera o preconceito. Ouço comentários de colegas homens falando sobre mulheres e dificilmente se faz um elogio a uma atriz ou mulher negra. Alguns de vocês podem achar que é questão de gosto, que não tem a ver com a cor, mas não acredito nisso.
Desde pequenos nos é apresentado um padrão de beleza, e a imagem do negro é associada muitas vezes ao chamado brown que no baianês não é apenas marrom, mas sinônimo de baixo astral e mal-educado. Como os negros não costumam circular em determinados meios sociais, quando aparece um chama logo a atenção e desperta curiosidade.
Na minha adolescência lugar considerado de gente bonita, tinha pouquíssimos negros. Lembro que até na tão democrática expressão popular, existia racismo. Nos blocos de carnaval havia uma seleção rigorosa que levava em conta a aparência e o local onde morava. Lembro de estar com minhas primas buscando fotos em que pareceríamos menos negras e colocando endereços de amigos de bairros mais abastados.
Já adulta fiz uma entrevista para o projeto Um belo dia decidi mudar com uma negra baiana muito bonita que hoje mora na Alemanha e é casada com um alemão e lembro que ela destacou o preconceito que sofria aqui em Salvador e que surpreendentemente jamais havia sofrido em terras estrangeiras. Situação que aliás, posso confirmar, já que também sou casada com um estrangeiro, só que moro no Brasil.
O negro é discriminado por todos, inclusive pelos próprios negros que de tanto viverem envoltos a brancos passam a se acharem brancos também. É uma doença contagiosa e quando nos damos conta, estamos fazendo os mesmos comentários maliciosos e críticos.
Nessa terra onde a mistura de raças e credos é a bandeira que levantamos para justificar nosso jeito de ser, deve haver espaço para o amor e a tolerância de uma maneira mais verdadeira e pura, não apenas como fachada, mas na essência. Espero que saibamos aproveitar o espaço dado pela mídia para expandir a consciência e valorização do negro avançando na tão sonhada igualdade racial.
Sê o primeiro